08/10/2011

o silfo gentileza

A cada um dos quatro elementos em que os gregos haviam dividido a matéria correspondeu depois um espírito: os gnomos da terra, as ninfas da água, as salamandras do fogo e os silfos do ar.
Ninguém mais crê em silfos, mas a locução “figura sílfide” geralmente é usada para definir uma pessoa franzina ou uma imagem vaporosa.
Exatamente assim, como uma sílfide imagem vaporosa, me apareceu uma vez o Profeta Gentileza. Não pensem vocês que “aparecer” no caso é uma visão ou sonho. Longe disso, quando digo apareceu, me refiro a uma abordagem física, quase violenta, na rodoviária Novo Rio, no Rio de Janeiro.
Eu fazia MBA em marketing no Coppead – UFRJ e duas vezes por semana pegava um ônibus da Itapemirim de Cachoeiro (ES) para o Rio de Janeiro.
Eis que, no desembarque do ônibus em uma dessas viagens, fui abordado por aquela figura assustadora do José Datrino, o profeta Gentileza, que se dizia “amansador dos burros homens da cidade que não tinham esclarecimento”. 
Para quem nunca ouviu falar, o profeta Gentileza era uma figura carioca maravilhosa que ficou conhecida pela primeira vez pelo grande público em 1961, após um grande incêndio do circo “Gran Circus Norte-Americano” em Niterói. Essa tragédia foi considerada uma das maiores fatalidades em todo o mundo circense. Morreram mais de quinhentas pessoas, a maioria crianças. Isso aconteceu na antevéspera do Natal daquele ano.
Desde criança José Datrino dizia ter premonições, mas após o acontecimento do incêndio do circo ele alegou acordar ouvindo “vozes astrais” que o mandavam abandonar o mundo material e se dedicar apenas ao mundo espiritual.
Em 1970 o profeta Gentileza passou a percorrer as cidades do Rio e de Niterói, pregando palavras de amor, pelo próximo e pela natureza a todos que cruzassem o seu caminho. Para uns um louco, para outros um homem santo. Durante duas décadas ele pregou ser “... Um maluco para te amar e louco para te salvar”.
Apesar de falar em gentileza como um mantra, daí até o seu apelido, Datrino às vezes era agressivo ao abordar as pessoas. Imagine o susto que eu, após 8 horas de viagem de ônibus e ainda meio sonambúlico, levei ao me deparar com esse silfo. Ele usava uma camisa branca abotoada até o pescoço e barbas longas. Carregava um estandarte de saco de estopa, cheio de frases bordadas. E, ao se postar entre eu e a minha mala, que o motorista havia colocado no chão, vociferou: “Gentileza com amor e paz, para um Brasil e um mundo melhor meu filho”.  
Imagine quanta coisa a gente ouve falar do Rio de Janeiro, afastei-o com um empurrão. E assim, dessa forma meio violenta, encerrei a única oportunidade que tive de conhecer uma das figuras mais interessantes do Rio de Janeiro e do Brasil.
Muitos anos depois, ouvi Marisa Monte cantar: “Nós que passamos apressados/ Pelas ruas da cidade/ Merecemos ler as letras/ E as palavras de Gentileza...
Somente aí me interessei em saber e descobri que o profeta Gentileza era a mesma pessoa que havia pintado 56 pilastras do Viaduto do Cajú com as palavras proféticas famosas que foram parar até em museus. Suas obras, principalmente os estandartes bordados, valem hoje milhares de reais (e ele tentou me vender um).
Hoje sou mais um burro homem amansado que sofre por ter perdido a oportunidade de conhecer o profeta e “Passo apressado, pelas ruas da cidade, sem merecer ler as letras de Gentileza, e as palavras de gentileza. Por isso eu pergunto a você no mundo, se é mais inteligente o livro ou a sabedoria. O mundo é uma escola, a vida é o circo. Amor a palavra que liberta, já dizia o Profeta”.

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